Ao meio-dia desta quarta, 30 de agosto de 2023, os profissionais da enfermagem que são servidores públicos da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) tiveram que engolir um cardápio bastante indigesto, ofertado pelo Governador Elmano Freitas (PT).
Ao vivo, pelas redes sociais, após fazer soberba propaganda enganosa, o chefe do Poder Executivo assinou uma propositura legislativa que pode ficar nos anais da história como aquele PL que ensina como não pagar o piso salarial dos profissionais da enfermagem [enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e parteira]. Depois de três décadas de lutas, os profissionais da enfermagem não merecem que governadores e prefeitos proponham leis tão toscas que desvirtuam, totalmente, a norma que instituiu esta suada conquista da categoria.
Segundo a Mensagem n. 9112, de 30/08/2023, encaminhada à Assembleia Legislativa do Ceará, o Projeto de Lei n. 85/2023 tem por objetivo implementar o piso salarial para os profissionais da enfermagem, efetivos, vinculados à Sesa. Contudo, a leitura completa do texto leva à conclusão totalmente oposta.
O Art 1º, do PL, em debate, estabelece os valores dos pisos salariais em consonância com a Lei 14 434/2022, ou seja, R$ 4.750,00 para enfermeiro, R$ 3.325,00 para técnico de enfermagem e R$ 2.375,00 para auxiliares de enfermagem e parteiras.
No entanto, logo no parágrafo 1º, do Art. 2º, do citado PL, o piso salarial é exterminado. Reza este dispositivo que “a natureza das parcelas que integrarão o piso e a carga horária que será considerada para este efeito seguirão as normas estabelecidas nos normativos e orientações do Ministério da Saúde”
O Governo do Estado do Ceará está se valendo de uma confusa cartilha elaborada, em retalhos, pelo Ministério da Saúde (MS) cujo conteúdo causou mais dúvidas do que esclarecimentos. Esta cartilha foi gestada com base num parecer da Advocacia Geral da União (AGU). Ocorre que este parecer da AGU só se aplica aos servidores públicos federais cujas gratificações tem natureza totalmente distintas das que são pagas nos Estados e Municípios. Por outro lado, estados e municípios não são obrigados, legalmente, a seguirem parecer da AGU.
Em questões salariais, estados e municípios tem, pela Constituição Federal, autonomia para legislar. E muitos municípios estão produzindo leis garantindo o pagamento do piso salarial, sem levar em conta o parecer da AGU.
Seguindo as linhas mal traçadas na Cartilha do MS, o Estado do Ceará, pelo parágrafo 1º, do Art 2º, do citado PL, irá considerar para cálculo do piso salarial as gratificações que já vem sendo pagas atualmente aos servidores, tornando inócua a lei do piso.
De se ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em sua última decisão, não determinou que se compute as gratificações percebidas pelo servidor no cálculo do piso salarial. Contudo, a AGU tem entendimento contrário ao do STF, neste aspecto. E foi com base neste entendimento equivocado da AGU que o MS elaborou a famigerada cartilha. O Governador Elmano, declinando de sua competência legislativa, resolveu seguir o parecer da AGU, rezando pela mesma Cartilha do MS.
Queremos deixar claro que piso não se confunde com remuneração total. Piso é o salário base de um trabalhador. Jamais poderá ser recheado com outras gratificações, sejam fixas, permanentes, transitórias, etc. Lamentavelmente, o Estado do Ceará resolveu trilhar em caminho oposto ao que está fazendo o município de Fortaleza, neste aspecto de definição do valor do piso salarial.
Na sua proposta legislativa, o Estado do Ceará considera um piso salarial proporcional à jornada de trabalho de 44 horas semanais, que se trata de uma decisão do STF, objeto de embargos opostos pelo Senado Federal. Não existe jornada de 44 horas semanais nos serviços públicos de saúde. A Lei que instituiu o piso da enfermagem não vínculo o valor do piso salarial à jornada de trabalho, razão por que não faz nenhum sentido o Governador querer usar uma jornada fictícia somente com o propósito de reduzir o valor do piso salarial da enfermagem.
O Sindsaúde há mais de um ano vem tentando abrir o diálogo com o Governo do Estado, a respeito da implantação do piso salarial da enfermagem. Entretanto, mais uma vez, o Governador se recusa a dialogar com as entidades representativas da enfermagem. O PL remetido para a ALCE sequer foi submetido à Mesa de Negociação Estadual, fórum criado por Lei para debater as questões relevantes dos trabalhadores da saúde.
O Sindsaúde encaminhou uma carta a todos os deputados estaduais em busca de sensibilizá-los a essa questão
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