Norma sobre saúde mental no trabalho é adiada e os trabalhadores pagam a conta
A suspensão da portaria que regulamentaria os riscos psicossociais no ambiente de trabalho não é apenas um adiamento técnico. É um recuo político. É mais uma vitória do capital sobre o corpo e a mente dos trabalhadores brasileiros da saúde.
Pressionado pelas entidades empresariais — em especial a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), a mesma que judicializou o piso da enfermagem no STF e empurrou o debate para o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em nome de um “acordo” que nunca veio — o Ministério do Trabalho cedeu. A NR-1, que traria diretrizes para cuidar da saúde mental de quem sustenta o país com suas mãos e sua exaustão, foi adiada. E não há data garantida para retomada.
A alegação da CNSaúde? “Insegurança jurídica e técnica”. Que as empresas não sabem o que cumprir, que os fiscais não sabem o que cobrar. Um argumento recorrente sempre que uma medida tenta estabelecer limites à exploração do trabalho. Ora, se a confusão é tão grande, por que não buscar clareza com urgência? Adiar o que salva-vidas por falta de consenso técnico é como deixar um prédio em risco desabar porque engenheiros continuam debatendo a cor do capacete.
A mesma CNSaúde que agora finge preocupação com pequenos empreendedores e a “complexidade da norma” é composta por grandes grupos hospitalares e operadoras de saúde privada — as mesmas que lucram bilhões ao ano com planos excludentes e condições precárias de trabalho para seus próprios profissionais. São essas vozes que hoje moldam a legislação trabalhista no país.
Como denuncia Martinha Brandão, diretora do Sindsaúde Ceará e Deputada Estadual:
“Enquanto o Congresso está repleto de empresários, os trabalhadores quase não têm voz. Quem sente na pele a pressão, o burnout, os abusos, são os que menos participam das decisões que mudam suas vidas.”
Essa disparidade tem nome: lobby empresarial. E ele não atua nos bastidores. Está em Brasília, no Congresso, nas confederações, no Ministério. Está sentado à mesa enquanto o trabalhador continua de pé, adoecido, invisível.
Quintino Neto, presidente do Sindsaúde Ceará, reforça:
“Esse adiamento é mais uma prova de que o Brasil ainda é um país onde a saúde dos trabalhadores vale menos do que os lucros de meia dúzia de empresas. O discurso técnico é só o verniz do desprezo.”
Enquanto isso, transtornos mentais e comportamentais já são uma das principais causas de afastamento do trabalho no Brasil. O ambiente organizacional, a sobrecarga, o assédio moral, o medo constante do desemprego: tudo isso adoece. Mas para os empresários, é tudo “muito subjetivo”, “difícil de mensurar”.
Difícil é mensurar o impacto de vidas destruídas pelo cansaço extremo, pela humilhação cotidiana, pelo sentimento de inutilidade cultivado em ambientes tóxicos.
O Brasil precisa de uma guinada: mais trabalhadores no Congresso, mais vozes das bases nos espaços de decisão. Não podemos mais aceitar que quem só conhece o lucro dite as regras de quem vive o trabalho. Saúde mental é urgência, não luxo. E não pode ser adiada por mais tempo em nome da comodidade de quem já tem tudo.
A pergunta que fica: até quando a saúde mental dos trabalhadores será tratada como um detalhe técnico e não como o que é — uma questão de vida ou morte?